terça-feira, 3 de julho de 2012

O DESCONHECIDO QUE ASSUSTA

O DESCONHECIDO QUE ASSUSTA



"- Filha, quer provar este bolinho de milho? É uma delícia!; - Ah, não, não gosto!; - Não gosta como?! Você já comeu?...; - Não!; - Então, como não gosta?!..."

Diálogo com minha filha, aos cinco anos de idade.

O episódio não é apenas típico da faixa etária infantil, mas ilustra com bastante clareza um curioso dispositivo de defesa do psiquismo humano contra o novo! Contra tudo o que o desloca de sua zona de conforto para correr riscos, para experimentar mudanças, que, ao contrário do que teme, podem nos presentear com belas surpresas e descobertas durante a vida. Com renovação, com exploração, com aquela impagável sensação de se maravilhar que o Universo nos reserva para abrilhantar a nossa jornada existencial.

Ultimamente venho constatando a mesma peculiaridade durante os meus estudos de música. Aliás - pausa para agradecer a Deus a oportunidade de retomar meus estudos de música! Quantos universos dentro de universos vamos descobrindo! Quantas novas dimensões, outras percepções, que nos descortinam todo um modo insuspeitado de se compreender algo à primeira vista tão simples quanto uma bela melodia!

Não teço o comentário a conta de crítica, porque é bem possível que até pouco tempo atrás, e resguardadas as devidas proporções, eu também me comportasse assim, sem a mínima consciência de que o que me faltava para a mudança de paradigmas era apenas um sentido a mais! O apuro sensorial da audição bem treinada, que desvela toda uma gama de nuances despercebida por quem somente "ouve" músicas, sem a chance de acessar o seu pano de fundo, a história por detrás da história; o enredo por detrás da construção, o contexto de época; enfim, toda uma vasta rede de influências que determinam determinada composição clássica, dentre as muitas obras primas que nos foram legadas pelos grandes mestres de todos os tempos!

Converso com pessoas - entusiasmada do que venho aprendendo durante as aulas de violino, - e, às vezes, cito composições e autores magníficos de quem venho atualmente conhecendo melhor o repertório, por força do estudo, do interesse, dos detalhes técnicos com que vem me presenteando meu excelente professor do Conservatório. E, para freio do meu entusiasmo, por vezes deparo comentários alegando se achar obras como as de Bach chatas, desinteressantes, monótonas. E então, a pessoa em questão cita outros autores e músicas mais populares do clássico ligeiro que preferem, e que, de fato, são belíssimas! Todavia, se evidencia naquele posicionamento fenômeno psicológico correlato ao descrito no começo deste artigo: se pergunto ao interlocutor em questão se já se dignou a prestar atenção em determinadas composições que lhe são desconhecidas de Vivaldi, Corelli, ou do próprio Bach - um dos grandes, unanimidade mundial nos repertórios da música erudita - ouvirei um simples não! Sem que sequer se considere que para desmerecer ou criticar qualquer coisa precisamos, antes, nos familiarizar; conhecer o tema sobre o qual se fala!

E quando argumento assim, procurando manter a civilidade do debate, via de regra ouço de volta uma banalização simplista da questão, - "Ah, isto é questão de gosto! É o seu gosto, não o meu!" - caracterizando esta reação, antes, um esforço para se encerrar um diálogo aborrecido, visto que não se deseja, ali, desalojar-se de sua zona de conforto para pelo menos dar ao assunto em pauta - no caso a música - uma chance de ser melhor conhecido, compreendido em consequência, ampliando-se assim, prazerosamente, o nosso deleite com algo tão gratificante quanto a música, com o seu infinito repertório de benefícios pessoais!

Invariavelmente, neste ponto, respeito o posicionamento alheio e, embora por vezes cite, sugestivamente, o caso da minha filha, muito comum entre os pequenos, faço por onde desviar a conversa para outras frivolidades que preservem a qualidade da convivência.

Cabe-me compreender que trata-se tão somente da falta de oportunidades de que eu mesma padecia tempos atrás, para me familiarizar melhor com a dimensão profilática de um tipo de música de um outro mundo, cuja apreciação e compreensão exige, primeiro, uma inclinação natural para o assunto; e segundo, o estudo sincero e devotado, que nos explique contexto e modo de criação próprios das histórias de vida de cada um destes compositores, bem como das circunstâncias nas quais viveram.

Cultura e educação musical. Não mais que isso. E, uma vez adquirindo-as, não seremos ameaçados na renovação cultural mais ampliada, mas só presenteados! Crescemos - em todos os possíveis sentidos, mas principalmente no espiritual! E é no terreno espiritual, como não poderia deixar de ser, que se observa o mesmo tipo de reação defensiva da parte de muitos!

Desde os séculos findos os seres de vanguarda que interagiram com as múltiplas dimensões da vida invisível aos sentidos materiais ordinários pagaram o preço amargo de serem considerados loucos ou extravagantes pela simples razão de ver, sentir, ou pressentir este universo muito mais vasto, sutil - sobretudo real, prenhe de vida e movimento em volta de nós! Há dias comentei o mesmo noutro texto, no qual exemplifiquei com a própria música, mencionando que ao estudarmos um instrumento apuramos um sentido auditivo a mais, antes adormecido para captar nuances de acordes e de entonação para os quais éramos necessariamente surdos. Eis, portanto, também aí, a padronização das reações humanas, no que se relaciona a este importante tópico de nossas existências: a realidade maior de nossas vidas! O que somos, em essência, e o que nos aguardará após a curta passagem pela vida material, assunto que, em última instância, interessa diretamente a todos nós!

Conhece a interação entre as dimensões espiritual e material da vida? "Não, não gosto e não acredito", como ouvi certa vez de uma leitora. Mas, nem por curiosidade procura entender?! "Não, isto é coisa de demente!"...

No fim, o desconhecido que assusta - o simples bolinho de milho, oferecido outrora à minha filha.

Rejeitando-o, filtramos a maior influência da Luz nos nossos dias!